Informações complementares |
O modelo de cidade neoliberal produz, cada vez mais, disparidades e disputas resultando no encolhimento brutal dos espaços públicos. A serviço do mercado e do Capital, por meio de gestões aliadas aos interesses de empresários, parcerias público-privadas, processos de gentrificação, privatizações e concessões, a cidade sob a forma empresarial gera desigualdades, degradação e a perda da dimensão do que é “público”. Recentemente, tanto nacional quanto internacionalmente, assistimos à ascensão de uma extrema direita aliada aos ideais da agenda neoliberal. Desse modo, como arquitetos e urbanistas, faz-se necessário compreender os processos sociais e espaciais gerados no tempo presente, seja pela corrosão da democracia e ataques à esfera pública (ou ao “Comum”) ou por meio de desdobramentos nas cidades e nos espaços públicos.
Nesse processo de dissolução da esfera comum, a dimensão conflituosa do espaço é intensificada, de um lado a aversão — a visão desse espaço como hostil, perigoso, falido e esvaziado de significado — e de outro a romantização — espaço de comunhão, troca, onde o homem desenvolve sua cidadania e participa da política. Muito dessas visões receberam influências do desenvolvimento discursivo e projetual moderno, além da efervescência política dos anos 1950/1960 e aos modelos de legalidade e ações do Estado neoliberal.
Diante de tal cenário, são atacados os direitos que posicionam-se contra esta lógica dominante, como o Direito à Cidade. Esse conceito foi difundido por Henri Lefebvre há mais de 50 anos, quando ocorria uma série de protestos estudantis e operários na França em maio de 1968, que representaram uma revolução em relação à diversos parâmetros da sociedade conservadora-tradicional e estabeleceram-se como um marco de uma nova forma de ocupar o espaço das ruas. Ainda hoje, com todas as modificações que ocorreram ao longo do tempo, mostra-se de extrema importância retomar o caráter subversivo levantado por Lefebvre e por tal movimento, em relação ao modelo da sociedade e cidade atual. Isto porque, apesar dos avanços que aconteceram no âmbito urbano brasileiro, como a determinação do Estatuto da Cidade (2001), também ocorreram certos retrocessos com o fortalecimento de políticas neoliberais, nas quais o Estado associa-se aos interesses do capital, do mercado e das classes dominantes. Além disso, os processos de globalização e financeirização, reforçaram a lógica capitalista de forma que a cidade atual é marcada por questões muito semelhantes às da época de Lefebvre.
Segundo David Harvey (2013): “A liberdade de fazer e refazer as nossas cidades, e a nós mesmos é, a meu ver, um dos nossos direitos humanos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados.” Assim, fica evidente que a construção de um espaço coletivo que seja, de fato, democrático e de pertencimento de todos não podem ser associados aos espaços determinados pela sociedade de consumo, sendo importante confrontar esta lógica dominadora na proposição de locais que promovam as relações de sociabilidade referentes às questões expostas acima. |
Resumo |
V SEMANAU | O direito de estar e construir o espaço público
Para além da arquitetura e do urbanismo, novas formas de resistir, agir e construir simbolicamente o espaço público se fazem presentes - corpos “indóceis” e “indisciplinados” que se manifestam, ocupam espaços e criam novos significados para esse. Como defende Lefebvre, “O verdadeiro direito à cidade não é apenas o direito a usar os serviços da cidade. É também o direito a inventar novas práticas na cidade, novos usos dela”. De que formas a arquitetura, as artes, o urbanismo, a sociologia, a economia, a política e os movimentos sociais contribuem para o entendimento de como o espaço público é construído? Como essas esferas se relacionam e buscam criar experiências comuns? Qual o papel do arquiteto e urbanista na construção de espaços coletivos e democráticos?
Esses e outros questionamentos são objeto de estudo da V Semana Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo (SEMANAU) do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, campus São Carlos-SP, que traz como tema: O direito de estar e construir o espaço público. O título deste ano foi inspirado na série “A Cidade no Brasil”, do Sesc TV, a partir das falas do professor Renato Cymbalista (FAU-USP). |